Os agrotóxicos possuem descontos ou isenção em uma série de impostos no Brasil. O resultado é, por um lado, um baixo impacto no preço final dos alimentos, e por outro, uma perda bilionária de arrecadação para os estados e a União. Os benefícios incentivam maior produção de commodities para exportação, atrelada à redução da área plantada com alimentos essenciais à dieta brasileira.
A implementação da Revolução Verde no Brasil, a partir dos anos 1960, contou com uma série de incentivos do Estado para aumentar o mercado consumidor de agrotóxicos no país. No final dos anos 1950, a fabricação e a importação de agrotóxicos receberam isenções de impostos, e no final dos anos 1970, foi estabelecida a isenção do imposto sobre a circulação. Este percurso histórico resultou no cenário atual, em que os agrotóxicos usufruem de uma série de incentivos fiscais no sistema tributário brasileiro. Hoje, os agrotóxicos são parcial ou totalmente isentos dos seguintes tributos federais: Imposto sobre importação (II), Imposto sobre produtos industrializados (IPI), Contribuição de financiamento da seguridade social (Cofins), Programa de Integração Social (PIS), além do Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), cobrado pelos estados.
Em 2020, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) publicou uma estimativa da perda total de arrecadação para os estados e a União com os benefícios fiscais para agrotóxicos. Estima-se que este montante, considerada a comercialização de agrotóxicos em 2021, seja de R$ 12,9 bilhões. Para se ter uma ideia, o valor representa 12,7 vezes o orçamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2021, e mais de 7 vezes o orçamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no mesmo ano, órgãos responsáveis pelo registro de agrotóxicos, junto ao Ministério da Agricultura.
Os benefícios fiscais concedidos aos agrotóxicos têm como base de argumentação o princípio da seletividade, que prevê alíquotas de impostos mais baixas para produtos considerados essenciais. Assim, parte-se do pressuposto que a produção agrícola dependeria essencialmente do uso de agrotóxicos, e que o aumento da produção decorrente do seu uso poderia baratear o preço dos alimentos. Este argumento, contudo, falha ao supor que os agricultores utilizarão agrotóxicos independentemente do preço. Pelo contrário, como já comprovado no caso da sobretaxação de cigarros, o preço final mais alto de um produto é um dos fatores que mais influenciam na diminuição de seu uso e na busca por alternativas. Desta forma, um regime tributário de sobretaxação dos agrotóxicos poderia ter efeitos positivos sobre a saúde da população e sobre o meio ambiente, ao atuar na redução do uso de agrotóxicos e no incentivo à busca por práticas agroecológicas de produção de alimentos.
Além disso, conforme dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal, 89% da área total tratada com agrotóxicos em 2022 referia-se a apenas cinco culturas: soja, milho, algodão, cana-de-açúcar e pastagens. Portanto, o maior impacto dos benefícios fiscais para agrotóxicos encontra-se na produção de commodities, em sua maioria voltadas para exportação e com preço fixado no mercado internacional, e não nos alimentos que de fato chegam à mesa da população.
De 2000 a 2021, a área plantada de soja aumentou 187%, chegando a quase 40 milhões de hectares. No mesmo período, a área plantada de arroz diminuiu 54%, e a de feijão, 37%, reduzindo para 1,7 e 2,7 milhões de hectares, respectivamente. As isenções fiscais dadas à cadeia da soja – não só nos agrotóxicos – acabam por contribuir para a diminuição da oferta da base da alimentação brasileira, resultando na necessidade de importação de alimentos e pressionando preço da cesta básica.
Diante desse cenário, a sociedade civil se organiza há anos pela revisão das isenções fiscais para agrotóxicos. Um passo importante foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5553, de 2016, que questiona esses benefícios. A manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR) na mesma ação, de 2017, declara que os incentivos aos agrotóxicos não se coadunam com os objetivos do Estado Democrático de Direito Ambiental. Em seu voto dado em 2020, o Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da ação, evidencia que as isenções para agrotóxicos não cumprem o princípio da seletividade, dado que não há garantias do impacto no preço dos alimentos. A votação não chegou a ser encerrada, e deve voltar à pauta do STF nos próximos meses. Outra iniciativa importante foi tomada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2018, quando, em um acórdão, recomendou o monitoramento das isenções fiscais sobre agrotóxicos e avaliação de seus objetivos. O acórdão recomenda ainda adoção de critérios baseados na toxicidade à saúde humana e na periculosidade ambiental para promover a taxação dos agrotóxicos.
Diversos países já obtiveram sucesso na implementação de sistemas de tributação para agrotóxicos com objetivo de reduzir as externalidades negativas. Dinamarca, Noruega, França e México adotam uma tributação proporcional aos danos à saúde e ao meio ambiente. Já no Brasil, o governo do estado de Santa Catarina tentou instituir o ICMS verde, com alíquota proporcional à toxicidade, mas a medida foi vetada pela Assembleia Legislativa.